domingo, 20 de abril de 2014


Nossa família em pose para a posteridade.

Inspirada pelo tema "O Retrato", ganhei, em 1963 o prêmio Oswaldino Marques", para o qual concorreram todas as alunas do meu colégio, o Santa Úrsula. O Correio da Manhã publicou uma grande reportagem a esse respeito, que oportunamente publicarei aqui.
Retratos e ambientes antigos sempre me fascinaram, assim como compoteiras, cristais, sedas, aromas de perfumes franceses, caixinhas antigas, bonecas de porcelana, rendas... Um mundo que eu observava e começava a tecer minhas histórias e minhas memórias.
Um dia fui à Feira do Troca, na Praça XV com minha irmã Gilda e encontrei postais muito sugestivos. Eram fotos antigas que já permitiam serem publicadas sem causar problemas de direitos de imagem. Fui colecionando e, numa de minhas idas a Paris, encontrei outras, nas barraquinhas que margeavam o Sena, e também numa das minhas galerias favoritas ao lado do Musée Grévin. E um dia resolvi apresentar essas fotos dando continuidade à uma vida imaginária dos personagens que marcaram sua época. O texto está registrado e eu penso em publicá-lo num livro e fazer - quem sabe? - um filme com esse tema. Inspirado na literatura e na psicanálise, dou então a forma literária que permeia poesia, emoção e carinho pelos personagens que não conheci, mas que ilustraram a minha vida de escritora e de psicanalista.




 

 INTENÇÃO, EXTRAVIO E DESTINO



OU



PERCURSO DE UMA CARTA ROUBADA




  
 Lucia Chataignier


 Uma coisa que sempre me chamou atenção foi a quantidade enorme de cartões postais, com imagens sugestivas e, mais espantosamente, com fotos de casais, famílias ou pessoas isoladas, que proliferam em feirinhas de antiguidades e alfarrábios do gênero.
A primeira vez que reparei nisso, foi em Paris. Estava eu a percorrer livrarias e lojas de antiguidades, miudezas e curiosidades exóticas, quando penetrei por uma das “passages” próxima ao Boulevard des Italiens.  Essas “Passages” têm um charme especial: elas parecem um túnel do tempo, que nos transporta para os anos loucos e prolíficos da produção artístico-literária da França dos séculos XVIII e XIX.  Pois bem: nesse lugar, achei uma lojinha repleta desses detalhes, mas, foi à sua porta, que encontrei um curioso conjunto de cartas e cartões postais de épocas passadas.

A minha reação, a princípio, foi de espanto.  Como, cartas tão íntimas, vieram à tona, saídas das profundezas dos cofres secretos e dos guardados e resguardados recantos de alcovas? Quem o permitiu? Quem invadiu esses segredos?  Quem desistiu de proteger essas confidências e inconfidências?  E, por quê?

O meu sentimento foi um misto de pudor atingido e indignação pela jura quebrada, pelo segredo explicitado, pela violação cometida.



Já no Rio de Janeiro, arrumando a imensa coleção de recortes de jornais os mais variados, todos advindos dos alfarrábios de meu avô e de minha tia, achei algumas fotos muito antigas.  Algumas eram identificadas, outras, não.  Se elas haviam sido guardadas, deveria haver um motivo, um sentimento, uma história.  Acolhi algumas delas à espera de um destino louvável e digno de seus personagens.

Anos depois, em 2008, fui passear numa feira de antiguidades, a Feira do Troca, na Praça XV.  Além do gosto de percorrer as suas aléas, semelhantes na minha opinião,  aos cemitérios, pela disposição de suas barracas e por me remeter a boas memórias passadas, havia também, o prazer de ouvir interessantes histórias de alguns expositores, fui procurar antigos postais.



Quando há curiosidade e interessa na procura, depara-se com o surpreendente.  A primeira coisa que achei, foi um monte de carteiras de identidade.  Como assim, carteiras de identidade? Seriam carteiras perdidas?  Pertenceriam a pessoas já falecidas?  Seria um acervo particular de achados e perdidos?  De qualquer modo, aquele conjunto era, na minha opinião, uma ameaça pública.  Não poderiam, as pessoas desonestas, se apropriar de tais registros e forjar um cadastro, maculando a inocência de alguém e comprometendo a memória de um incauto defunto ou mesmo o nome e a reputação de uma família?

Continuei a procurar postais.  Os que mais me interessaram, foram os que continham fotos de família e as cartas de amor.  Fui provocada pela curiosidade de suas histórias, pelos recados cifrados, pelas letras, umas cuidadosamente desenhadas, outras displicentes, e pelos textos.

Agora, restava colher, de cada um deles, a história exposta e a ficção suposta de suas imagens e de seus signos num futuro imaginário.

Nesse percurso, resolvi ler o conto de Edgard Alan Poe, “A Carta Roubada” e também a interpretação que Lacan fez, desse mesmo texto.

Eu estava encarando um desafio duplo: a seleção das histórias, a interpretação das mesmas e a minha própria criatividade, a partir dos dados colhidos.

Claro, que nada é feito ao acaso.  A própria seleção e a exclusão de alguns dos postais, falavam da minha intenção.  É aí que se situa a interseção da poesia com o cálculo matemático.  A probabilidade, não é fruto do acaso nem de abstratos cálculos mas a decorrência de desejos fermentados, sufocados, latentes, aparentes e urgentes.

Pensei, primeiramente, em selecionar partes do texto de Poe e depois, comentar alguns tópicos de Lacan.  Mas meu lado poeta, falou mais forte.  “Vou direto aos postais!” pensei.  “Depois, articularei os elos da cadeia e da lógica simbólica”.

São, ao todo, nove postais que escaneei e transcrevi seus textos.  Em seguida, soltei as rédeas de minha imaginação e criei as circunstâncias em que tais recados ou cartas foram enviados.


A continuar. Tentei postar todo o texto, mas esbarrei com uma não configuração das fotos. Assim que resolver este problema, colocarei o texto integral. Abraços a todos.






ALTOS PAPOS COM MEU AMIGO CARLINHOS DE OLIVEIRA.

A nossa turma se reunia em frente à Rua Montenegro. O assunto, o Rio de Janeiro. Sempre. Suas belezas, a arte, os lançamentos de livros, as vernissages, as novidades.  Essa crônica foi a resposta que ele me deu sobre como seria para ele a nossa cidade. Saudades de nossos papos, Carlinhos!...

domingo, 6 de abril de 2014





A Loja de Pianos da Rive Gauche – de T.E. Cahart (Edições Best Bolso)
Paris é uma metáfora do sonho.  Suas ruas, arquitetura, detalhes e cultura, ultrapassam o desejo, e se encaixa perfeitamente no - com a licença de Freud – para além do princípio do prazer.  As delícias estão nos detalhes, e, descobrir cada um deles, é um requinte que só os que apreciam o belo podem curtir.  Não é necessário ver “Paris à meia-noite” para descobrir a cidade: basta caminhar pelas suas ruas, pelos atalhos e você entenderá o segredo dessa magia
Foi exatamente isso que o autor desse livro delicioso fez: andando pelas cercanias de sua residência, na Rive Gauche, encontrou uma lojinha de pianos.  Não uma lojinha qualquer, mas um lugar de consertos (e concertos, por que não?), de peças de colecionador, de raridades, arte e boa conversa.
Como bem diz o autor, a fachada da loja de pianos tem “um charme sonolento do século XIX” (pg.11).  Fala de um tempo onde não há pressa, onde cada detalhe dos pianos é cuidado com a delicadeza de fadas, onde há o registro dos que dedilharam as teclas dos antigos  Pleyel  e outros pianos maravilhosos.  Há a descrição detalhada do interior do instrumento, mas não uma descrição fotográfica.  Trata-se de uma observação sobre a alma que está no interior de cada peça.
Ao ler o livro, percebermos que cada piano trás, na sua história, elementos tão ou mais humanos, quanto a descrição de pessoas: os  tristes, por exemplo, condenados a ficarem calados, quer pelo mau trato de seus possuidores, quer pelo  desinteresse ou falta de talento de seu dono, são lamentados. Um piano cujo destino é permanecer silencioso, “é como se confinassem numa solitária alguém que tem muito a dizer” (pg. 33)
O personagem Luc, cuidador de pianos é uma criatura que lida com a sensibilidade de cada uma de suas peças, de uma maneira delicada, sutil e entusiasmada .  Tanto que, naquela loja, somente algumas pessoas eram permitidas de entrar.  Não há aquela ânsia capitalista de vender, lucrar e acumular.  Para adquirir um piano, você tem que ser especial.
Cada uma das pessoas que frequenta a pequena loja da rive-gauche, trás um enriquecimento ao leitor e acrescenta detalhes, os quais escapam da mera observação de um concerto, pois Cahart descreve a essência de cada um e de cada passo: “saber tocar as notas, é só o início; o trabalho de verdade só começa depois, quando quem toca acrescenta algo de si à intenção do compositor.
Enfim, esse livro é um poema delicioso que ilustra e faz com que nunca mais olhemos um piano da mesma maneira.
Mas para isso “bata à porta, seja paciente e Paris poderá oferecer-lhe mais um de seus inestimáveis prazeres” (pg.9).

quinta-feira, 20 de março de 2014

Quem ri por último




 


QUEM RI POR ÚLTIMO




   Terra das contradições, dos grandes ricos e dos muitos pobres, o Brasil, carente de ídolos e líderes políticos, gurus, filósofos, pensadores com quem possam identificar-se, seguirem ou serem aconselhados, elegem, de tempos em tempos, figuras marcantes nas áreas mais diversas as quais, servem de apoio e parâmetro para suas expectativas, seus ânimos e seus sonhos.

   Foi assim com políticos, cuja postura oportuna e efemeramente correta pareciam corresponder ao anseio do povo longamente oprimido pela ditadura.  E quando por tragédia ou artimanha do destino esse líder – passageiro – vem a falecer antes de comandar o espetáculo, é promovido a santo, pois passa a representar o ideal sempre almejado e nunca alcançado.  Ele torna-se o representante autorizado do sofrimento popular, por isso, seus eventuais erros do passado, são omitidos, esquecidos, calados ou minimizados.

   A consequência disso, é uma espécie de “efeito elástico” onde uma busca frenética pelo substituto do ideal é ativada.  Dá-se em consequência disso, uma corrida louca atrás de novo representante ou militante que fale em nome dos carentes, dos desesperados e dos desempregados.  Elege-se então, às pressas, astros efêmeros,  âncoras fabricados, líderes forjados, novos reis ou rainhas do rebolado.  Mas logo a máscara é arrancada e dá-se o efeito turmalina, ilusão das falsas esmeraldas.

  O povo, como resposta, investe ferozmente no seu time de futebol, no cinema nacional, na telenovela, na escola de samba favorita, tudo numa síndrome etnocentrista que descarta rivais, ignora padrões de qualidade, e torna-se assunto invariável dos botequins, dos bares nas happy hours, dos salões de dança e cabeleireiros.

   Mas eis que, oportunista de carteirinha, aderente que nem silicone, surge o “belo tipo faceiro”, sorrateiro, acertando o passo no ritmo de uma humildade forjada.  Ele muitas vezes vem tão de mansinho, tão disfarçado em suas verdadeiras intenções que o povo fica envolvido com sua pele de cordeiro e não percebe o lobo que ele envolve.

   É interessante que a tática é sempre mais ou menos a mesma: ele aparece aos poucos, em pequenas notícias de canto de jornal, sem grandes manchetes ou nome em destaque.  Normalmente, ele toma carona num tópico de comoção popular, num acontecimento de impacto, numa violência explícita ou numa indignação referente à exploração do povo ou ao uso indevido do dinheiro do mesmo.  Ele toma a frente da revolta.  Denuncia.  É conivente com o oprimido, faz protestos e até greve de fome (não sem antes chamar os jornalistas).  Ele conquista os espaços gradativamente.  Vai passa a ser unanimemente   elogiado.    Eventualmente ele distribui presentes e  cestas  de  alimentos.

 Todos se referem a ele com uma intimidade orgulhosa.  Ele passa a posar para “santinhos”, dá entrevistas, denuncia e, pouco a pouco, seus discursos passam a ser mais direcionados para a política.  Legiões de fãs e adeptos seguem seus passos, citam suas frases de efeito, confeccionam  bottons, fazem camisetas, aparecem, florescem, faturam.  “Uma coisa”, diria Danuza.

   Surgem as eleições, e o manipulador ganha, é lógico.  Mas com o tempo, ele vai mostrando as suas garras, tornando-se elitista, distanciando do povo, descompromissando-se com as suas verdades pregadas. A saída que o povo encontra em cima deste e de outros dramas é o humor. 

Vão surgindo as piadas, rindo das próprias tragédias e desacertos, um mexendo com o outro, ironizando a credulidade, fazendo pouco do muito que investiram.

Freud disse que o humor não é resignado, mas rebelde.  De fato, o humor atua como liberador de algo mais grandioso que é o triunfo do narcisismo, o qual confirma a invulnerabilidade do ego que se recusa a abater-se frente aos duros golpes da realidade, negando aquilo que poderia minar suas metas.  Ou seja: só lhe interessam os motivos de prazer. O humor, assim sendo, minimiza a dor, atenua a tragédia, perdoa o erro em prol de uma reconstrução psíquica.  É uma proteção contra uma tragédia maior, uma saída saudável em busca de uma segunda chance.  Ele ajuda a realizar o luto, pois na sua contrastante exposição bem-humorada, mostra que a vida continua.


   O próprio Freud disse no seu texto sobre o humor, em 1928, que a atitude humorística é um raro e precioso talento.  Em 1905 ele já havia dito que o humor é um meio de conseguir prazer, apesar dos efeitos dolorosos que a ele se opõem, assim, ele aparece em oposição daqueles mesmos efeitos, trazendo em si uma grandeza de ânimo contra a morte e o desespero.  É uma conversão da energia do desprazer em prazer, submetendo-a a uma descarga.  Em resumo, o sujeito foge da dor para não se submeter a ela.


  Não tentemos pois, ser tão rígidos com a sabedoria popular.  Se o povo cria piadas e faz uso do humor frente à desgraça, ao inevitável ou irreversível, ele está dando o recado que a vida continua.


 A morte e a decepção nos desconcertam, nos pegam de surpresa, riem, na nossa cara, cortam e invadem nossa vida com a frieza que lhes é peculiar.  E o humorista, como mal perdedor, sacode a poeira e dá a volta por cima.  Não negando a morte, mas clamando a vida.  E, ao ficar feliz com o sorriso do outro, sabe, no íntimo, quem foi que riu por último.





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