quinta-feira, 20 de março de 2014

Quem ri por último




 


QUEM RI POR ÚLTIMO




   Terra das contradições, dos grandes ricos e dos muitos pobres, o Brasil, carente de ídolos e líderes políticos, gurus, filósofos, pensadores com quem possam identificar-se, seguirem ou serem aconselhados, elegem, de tempos em tempos, figuras marcantes nas áreas mais diversas as quais, servem de apoio e parâmetro para suas expectativas, seus ânimos e seus sonhos.

   Foi assim com políticos, cuja postura oportuna e efemeramente correta pareciam corresponder ao anseio do povo longamente oprimido pela ditadura.  E quando por tragédia ou artimanha do destino esse líder – passageiro – vem a falecer antes de comandar o espetáculo, é promovido a santo, pois passa a representar o ideal sempre almejado e nunca alcançado.  Ele torna-se o representante autorizado do sofrimento popular, por isso, seus eventuais erros do passado, são omitidos, esquecidos, calados ou minimizados.

   A consequência disso, é uma espécie de “efeito elástico” onde uma busca frenética pelo substituto do ideal é ativada.  Dá-se em consequência disso, uma corrida louca atrás de novo representante ou militante que fale em nome dos carentes, dos desesperados e dos desempregados.  Elege-se então, às pressas, astros efêmeros,  âncoras fabricados, líderes forjados, novos reis ou rainhas do rebolado.  Mas logo a máscara é arrancada e dá-se o efeito turmalina, ilusão das falsas esmeraldas.

  O povo, como resposta, investe ferozmente no seu time de futebol, no cinema nacional, na telenovela, na escola de samba favorita, tudo numa síndrome etnocentrista que descarta rivais, ignora padrões de qualidade, e torna-se assunto invariável dos botequins, dos bares nas happy hours, dos salões de dança e cabeleireiros.

   Mas eis que, oportunista de carteirinha, aderente que nem silicone, surge o “belo tipo faceiro”, sorrateiro, acertando o passo no ritmo de uma humildade forjada.  Ele muitas vezes vem tão de mansinho, tão disfarçado em suas verdadeiras intenções que o povo fica envolvido com sua pele de cordeiro e não percebe o lobo que ele envolve.

   É interessante que a tática é sempre mais ou menos a mesma: ele aparece aos poucos, em pequenas notícias de canto de jornal, sem grandes manchetes ou nome em destaque.  Normalmente, ele toma carona num tópico de comoção popular, num acontecimento de impacto, numa violência explícita ou numa indignação referente à exploração do povo ou ao uso indevido do dinheiro do mesmo.  Ele toma a frente da revolta.  Denuncia.  É conivente com o oprimido, faz protestos e até greve de fome (não sem antes chamar os jornalistas).  Ele conquista os espaços gradativamente.  Vai passa a ser unanimemente   elogiado.    Eventualmente ele distribui presentes e  cestas  de  alimentos.

 Todos se referem a ele com uma intimidade orgulhosa.  Ele passa a posar para “santinhos”, dá entrevistas, denuncia e, pouco a pouco, seus discursos passam a ser mais direcionados para a política.  Legiões de fãs e adeptos seguem seus passos, citam suas frases de efeito, confeccionam  bottons, fazem camisetas, aparecem, florescem, faturam.  “Uma coisa”, diria Danuza.

   Surgem as eleições, e o manipulador ganha, é lógico.  Mas com o tempo, ele vai mostrando as suas garras, tornando-se elitista, distanciando do povo, descompromissando-se com as suas verdades pregadas. A saída que o povo encontra em cima deste e de outros dramas é o humor. 

Vão surgindo as piadas, rindo das próprias tragédias e desacertos, um mexendo com o outro, ironizando a credulidade, fazendo pouco do muito que investiram.

Freud disse que o humor não é resignado, mas rebelde.  De fato, o humor atua como liberador de algo mais grandioso que é o triunfo do narcisismo, o qual confirma a invulnerabilidade do ego que se recusa a abater-se frente aos duros golpes da realidade, negando aquilo que poderia minar suas metas.  Ou seja: só lhe interessam os motivos de prazer. O humor, assim sendo, minimiza a dor, atenua a tragédia, perdoa o erro em prol de uma reconstrução psíquica.  É uma proteção contra uma tragédia maior, uma saída saudável em busca de uma segunda chance.  Ele ajuda a realizar o luto, pois na sua contrastante exposição bem-humorada, mostra que a vida continua.


   O próprio Freud disse no seu texto sobre o humor, em 1928, que a atitude humorística é um raro e precioso talento.  Em 1905 ele já havia dito que o humor é um meio de conseguir prazer, apesar dos efeitos dolorosos que a ele se opõem, assim, ele aparece em oposição daqueles mesmos efeitos, trazendo em si uma grandeza de ânimo contra a morte e o desespero.  É uma conversão da energia do desprazer em prazer, submetendo-a a uma descarga.  Em resumo, o sujeito foge da dor para não se submeter a ela.


  Não tentemos pois, ser tão rígidos com a sabedoria popular.  Se o povo cria piadas e faz uso do humor frente à desgraça, ao inevitável ou irreversível, ele está dando o recado que a vida continua.


 A morte e a decepção nos desconcertam, nos pegam de surpresa, riem, na nossa cara, cortam e invadem nossa vida com a frieza que lhes é peculiar.  E o humorista, como mal perdedor, sacode a poeira e dá a volta por cima.  Não negando a morte, mas clamando a vida.  E, ao ficar feliz com o sorriso do outro, sabe, no íntimo, quem foi que riu por último.





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