quarta-feira, 19 de março de 2014

CRIAR, ENLOUQUECER E COPIAR











CRIAR, ENLOUQUECER E COPIAR



O dilema do escritor diante da página branca



 



Legar devagar e ler e divagar.  Para isso existem os livros e os jornais.  Para mim, não há satisfação em apenas ler o texto à minha frente: necessito sublinhar o que considero importante, genial ou absurdo.  Comento, multiplico uma série de setinhas, sugiro analogias, elogio, critico.  Crio um verdadeiro diálogo com o livro. Aliás, sempre achei que as editoras deveriam criar um meio do leitor conversar com o autor: elogios, críticas ou comentar seus sentimentos tão parecidos, às vezes, com aqueles que ele acabou de ler.



À minha frente, um recorte de o Globo (29/02/2012) com a crônica de Zuenir Ventura: “O escritor e a loucura”. Neste texto, ele fala sobre a visita de Ruben Fonseca ao norte de Portugal, mais exatamente a Póvoa de Varzim.  O escritor, normalmente avesso a entrevistas e discursos, pegou o microfone e disse: “Aqui nesta mesa todos somos loucos” e “A literatura é uma forma socialmente aceita de loucura”. Segundo ele, a loucura é um elemento indispensável à escrita. Como a motivação e a imaginação. E ser paciente.



E aí, volto ao meu “ler devagar e ler e divagar”. Penso nos livros que estão à minha frente e temo não ter tempo para ler todos eles.  Mas não deixo de comprar mais um, mais outro, todos que aticem a minha curiosidade e provoquem meu prazer.



Criar um texto, seja uma crônica, conto, romance, ensaio ou tese, é uma decorrência de um impulso imperativo do autor: a história aparece, de repente, um título pula à sua frente e então começam a pulular personagens os mais diversos e travessos, nuances de trama, diálogos saborosos.  E o escritor tem que buscar rápido seu papel e colocar todo esse mundo que entorna, que pede para ser escrito, exibido, manipulado.



O escritor deve deixar sua loucura e sua irreverência se manifestarem, transbordar sua fantasia, ir de encontro ou contra a censura social, sexual, pessoal.  O mundo agora pertence aos personagens, ao tema que escolheu.  É a loucura indomada.



Por isso, fixo perplexa diante de tantas refilmagens, tantos textos repetindo temas já cansados, tanta falta de imaginação e de ousadia. Por isso, concordo em gênero e número com Lacan, quando ele diz que a burrice é uma perversão e que a psicanálise pode muito, mas ela é impotente contra a estupidez.  Certo, certíssimo! Para estes, criar é impossível.  Então só lhes resta olhar perplexos a folha branca.  Ou copiar.



                                                   Lucia Chataignier – 23/02/2012



 

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