QUEM RI POR ÚLTIMO
Terra das contradições, dos
grandes ricos e dos muitos pobres, o Brasil, carente de ídolos e líderes
políticos, gurus, filósofos, pensadores com quem possam identificar-se, seguirem
ou serem aconselhados, elegem, de tempos em tempos, figuras marcantes nas áreas
mais diversas as quais, servem de apoio e parâmetro para suas expectativas, seus
ânimos e seus sonhos.
Foi assim com políticos, cuja
postura oportuna e efemeramente correta pareciam corresponder ao anseio do povo
longamente oprimido pela ditadura. E
quando por tragédia ou artimanha do destino esse líder – passageiro – vem a
falecer antes de comandar o espetáculo, é promovido a santo, pois passa a
representar o ideal sempre almejado e nunca alcançado. Ele torna-se o representante autorizado do
sofrimento popular, por isso, seus eventuais erros do passado, são omitidos,
esquecidos, calados ou minimizados.
A consequência disso, é uma
espécie de “efeito elástico” onde uma busca frenética pelo substituto do ideal é
ativada. Dá-se em consequência disso,
uma corrida louca atrás de novo representante ou militante que fale em nome dos
carentes, dos desesperados e dos desempregados.
Elege-se então, às pressas, astros efêmeros, âncoras fabricados, líderes forjados, novos
reis ou rainhas do rebolado. Mas logo a
máscara é arrancada e dá-se o efeito turmalina, ilusão das falsas esmeraldas.
O povo, como resposta, investe
ferozmente no seu time de futebol, no cinema nacional, na telenovela, na escola
de samba favorita, tudo numa síndrome etnocentrista que descarta rivais, ignora
padrões de qualidade, e torna-se assunto invariável dos botequins, dos bares
nas happy hours, dos salões de dança e cabeleireiros.
Mas eis que, oportunista de
carteirinha, aderente que nem silicone, surge o “belo tipo faceiro”,
sorrateiro, acertando o passo no ritmo de uma humildade forjada. Ele muitas vezes vem tão de mansinho, tão
disfarçado em suas verdadeiras intenções que o povo fica envolvido com sua pele
de cordeiro e não percebe o lobo que ele envolve.
É interessante que a tática é
sempre mais ou menos a mesma: ele aparece aos poucos, em pequenas notícias de
canto de jornal, sem grandes manchetes ou nome em destaque. Normalmente, ele toma carona num tópico de comoção
popular, num acontecimento de impacto, numa violência explícita ou numa
indignação referente à exploração do povo ou ao uso indevido do dinheiro do
mesmo. Ele toma a frente da revolta. Denuncia.
É conivente com o oprimido, faz protestos e até greve de fome (não sem
antes chamar os jornalistas). Ele
conquista os espaços gradativamente. Vai
passa a ser unanimemente elogiado. Eventualmente ele distribui presentes e cestas
de alimentos.
Todos se referem a ele com uma intimidade
orgulhosa. Ele passa a
posar para “santinhos”, dá entrevistas, denuncia e, pouco a pouco, seus
discursos passam a ser mais direcionados para a política. Legiões de fãs e adeptos seguem seus passos,
citam suas frases de efeito, confeccionam
bottons, fazem camisetas,
aparecem, florescem, faturam. “Uma
coisa”, diria Danuza.
Surgem as eleições, e o manipulador ganha, é
lógico. Mas com o tempo, ele vai mostrando
as suas garras, tornando-se elitista, distanciando do povo,
descompromissando-se com as suas verdades pregadas. A saída que o povo encontra
em cima deste e de outros dramas é o humor.
Vão
surgindo as piadas, rindo das próprias tragédias e desacertos, um mexendo com o
outro, ironizando a credulidade, fazendo pouco do muito que investiram.
Freud disse que o humor não é resignado, mas rebelde. De fato, o humor atua como liberador de algo mais grandioso que é o triunfo do narcisismo, o qual confirma a invulnerabilidade do ego que se recusa a abater-se frente aos duros golpes da realidade, negando aquilo que poderia minar suas metas. Ou seja: só lhe interessam os motivos de prazer. O humor, assim sendo, minimiza a dor, atenua a tragédia, perdoa o erro em prol de uma reconstrução psíquica. É uma proteção contra uma tragédia maior, uma saída saudável em busca de uma segunda chance. Ele ajuda a realizar o luto, pois na sua contrastante exposição bem-humorada, mostra que a vida continua.
O próprio Freud disse no seu texto sobre o humor, em 1928, que a atitude humorística é um raro e precioso talento. Em 1905 ele já havia dito que o humor é um meio de conseguir prazer, apesar dos efeitos dolorosos que a ele se opõem, assim, ele aparece em oposição daqueles mesmos efeitos, trazendo em si uma grandeza de ânimo contra a morte e o desespero. É uma conversão da energia do desprazer em prazer, submetendo-a a uma descarga. Em resumo, o sujeito foge da dor para não se submeter a ela.
Não tentemos pois, ser tão rígidos com a sabedoria popular. Se o povo cria piadas e faz uso do humor frente à desgraça, ao inevitável ou irreversível, ele está dando o recado que a vida continua.
A morte e a decepção nos desconcertam, nos
pegam de surpresa, riem, na nossa cara, cortam e invadem nossa vida com a
frieza que lhes é peculiar. E o
humorista, como mal perdedor, sacode a poeira e dá a volta por cima. Não negando a morte, mas clamando a vida. E, ao ficar feliz com o sorriso do outro,
sabe, no íntimo, quem foi que riu por último.
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